Graças a Deus, sempre fui bobo

Publicado em Andei Pensando..., Educação, Cotidiano, Relacionamento e Psicologia.


Graças a Deus, sempre fui bobo

Nesses tempos de estremada valorização dos estereótipos, com a primeira impressão sendo infelizmente tão decisiva, que atitude devemos ter para melhor conviver com tanta cobrança e comparação social.   O status financeiro, apresentado via grifes, quer de roupa, carro, equipamento tecnológico, carne e outros itens, implementado pelo status intelectual que muitas vezes fica restrito a meia dúzia de temas que insistem em não se aprofundar e velozmente são substituídos por outros mais emergentes, que muitas vezes também são descartados com facilidade, apesar de sua aparência fundamental, já não mais preenche o espaço dos sonhos, se desfazendo como castelo de gelo na areia da praia.

Dentro desse contexto, até parece que para se obter algum sucesso nessa vida, sempre se fará necessário ser reconhecido popularmente como um “esperto de plantão”. Mas, por que motivo a chamada esperteza, também definida como astúcia ou lábia, faz tanto barulho em nosso meio?

Curioso o fato de que ao se aliar sucesso à esperteza estamos hipervalorizando o conceito de superar o outro à malandragem, típica de boa parte da história de nosso povo tupiniquim. Por que não podemos ouvir, respeitar e até mesmo assimilar opiniões alheias, escolhendo nossas compras pelos seus aspectos de custo-benefício e nossos assuntos, nos atirando sem medo em um leque de temas atemporais e sempre significativos, como a importância dos valores, sonhos e consequentes projetos de cada um.

Até parece que necessário é ter uma atitude que navegue entre a superação constante e o não deixar rastros de fragilidade, constantemente nos mostrando como super-heróis da existência. Para que tanta máscara e marra? Coisa horrível a obrigação de ser poderoso e totalmente responsável pelo que quer que seja. Muito mais simples, inteligente e economizador de tempo (algo que dizem estar tão em falta), deixarmo-nos levar pelas experiências que nos são apresentadas a todo momento, sempre com novas alternativas que tendem a aguçar nossa capacidade de reflexão e um conjunto de competências ainda latente em nossas entranhas.

Sinceramente não me sinto confortável com essa idolatria à sagacidade sem reflexão. Espertos tendem a atropelar ou ser atropelados por suas induções e condutas atabalhoadas. Por outro lado, o tão famigerado conceito de inocência ou até mesmo “bobeira”, satirizado e mesmo rejeitado nos meios acadêmicos ou esnobes, eliminam essa obrigação da superação a toda prova e todo momento, nos deixando livres para errar e (vez ou outra) tentar novamente.

Pensando em determinada célebre colocação de Aristóteles quando diz: “...somos o que repetidamente fazemos.” e “a excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito”, atrevo-me a dizer que a não dependência de um impositivo estilo externo que nos engesse é fundamental na formação de pessoas capazes de bem viver dentro de uma sociedade que em constante mutação, sempre sente de um “algo a mais”.

Em tempo, lembro aqui que sucesso se difere de excelência, pelo fato do primeiro estar ligado ao superar o outro, enquanto que o segundo se preocupa com a auto superação, diuturnamente. Quer saber; aguardo o dia em que tenhamos a consciência de que muito de nosso sofrimento nada mais é que a consequência direta da necessidade de se viver prisioneiro de um “reality show”; em que a opinião dos espectadores de nossa vida é fundamental, e que só a partir dela teremos condições de eliminar alguém para não ser eliminado antes. Eliminar quem e por que?

Olha, diante dessa mesmice, muito me orgulho de dizer que “graças a Deus, sempre fui bobo”. 



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